Milágrimas, uma fusão cultural de Brasil e África do Sul
Milágrimas
celebra a interação cultural e artística entre o Brasil e a África do Sul de
várias maneiras: pela fusão musical de duas culturas no CD com trilha sonora
exclusiva; no palco, pela coreografia criada a partir da música e do canto
popular; no livro Tenso equilíbrio na
dança da sociedade, que fala de inclusão social de jovens por meio da
cultura e da arte. Porque canta a letra de Alice Ruiz para a música de Itamar
Assumpção: "a cada mil lágrimas, sai um milagre". Neste caso, o
milagre que faz brotar lágrimas de alegria no público é a inclusão social dos
41 jovens da periferia paulistana que, no palco, viram gigantes da dança, das
artes. Bertazzo tem uma Broadway e
uma Sapucaí dentro de si. E este corpo de baile carrega um Bolshoi n'alma. São
mágicos juntos: com três degraus e um enorme tecido fazem um oceano, para unir
mais Brasil e África. Nova temporada, novo milagre. Bravíssimo!
Cris Campos
Participamos
da coletiva de estreia nacional de Milágrimas, segundo espetáculo do
projeto Dança Comunidade, que uniu o coreógrafo Ivaldo Bertazzo e o SESC São
Paulo. Mas Milágrimas vai além do
palco, transborda. Gerou o CD com a trilha sonora do show - 11 pérolas, com participações
brilhantes de músicos brasileiros e sul-africanos. E inspirou o livro Tenso equilíbrio na dança da sociedade,
com artigos e fotos. O
espetáculo que deu nome ao CD é prova viva do sucesso de iniciativas de
educação, cultura e arte que resgatam jovens do abandono social e multiplicam
seus talentos. Muito trabalho que dá resultado: Milágrimas está pronto para ganhar o mundo. Porque "a cada mil
lágrimas sai um milagre".
Milágrimas é um poderoso encontro de artistas
dos dois lados do Atlântico: do Brasil e da África do Sul. Nasceu da pesquisa
de Ivaldo Bertazzo sobre as duas culturas. Revelada a "ponte" quando
se descobriu a Isicathamiya,
manifestação cultural sul-africana que une passos de dança com um delicado
canto popular, a capela ou coro, criado pelos mineiros de ouro de Johanesburgo.
Os músicos do grupo Kholwa Brothers
vieram ao Brasil tocar com brasileiros pela primeira vez. Foi tudo natural,
desde o primeiro acorde que acabou com as barreiras da língua. A língua
universal da música calou as diferenças.
E
veio a dança, enriquecida com os coreógrafos convidados. O palco foi cercado
por três degraus de madeira. Virou trono. Recebe os movimentos do samba e das
danças africanas, oriente e ocidente do mesmo oceano. Acalenta o canto da
trilha e dos dançarinos-cantores, que veio dos mineiros do ouro, mas também
guarda em si as vozes de Serra Pelada e as lavadeiras nos riachos e as romarias
do Nordeste. E as máscaras que remetem ao carnaval e aos rituais dos nobres
guerreiros africanos. Fato é que o resultado foi além. Porque até os dançarinos
do Dança Comunidade cantam, em duas faixas da trilha. Tudo redondinho.
***
Falas dos criadores de
Milágrimas
Durante
a entrevista coletiva de lançamento nacional do espetáculo Milágrimas, os seus criadores falaram do making of do projeto, que
ainda inclui trilha sonora exclusiva e livro com dez artigos de diferentes
especialistas. Sobre a primeira fase do Projeto Dança Comunidade, que cria nova
metodologia de inclusão de jovens por meio da cultura e de atividades
multidisciplinares, destacamos a seguinte síntese:
"Não
é uma viagem de turismo. Ele (o jovem) passa por um período de trabalho, de
organização e aprende como é trabalhar em equipe. Isso o fortalece e o coloca
dentro de uma inclusão. Por que não falar duas línguas? Para estrategicamente
transitar entre dois mundos. Estamos
ensinando um público de elite a observar esses corpos. É um touro indomável,
que tem a tipologia brasileira de um corpo misto. É diariamente uma nova
construção. Porque o gestual pode transformar o ensino do movimento para o
jovem. Ele estuda primeiro a música, a sonoridade. O Carlinhos Brown, a
escola Pracatum e no Candeal, faz isso. É
um trabalho para a construção de um corpo no espaço e para o raciocínio... com
o pé firme no chão. Depois, é só levar isso para a dança. E é um grande prazer
vê-los."
(Ivaldo Bertazzo, coreógrafo,
bailarino e diretor do Milágrimas)
* * *
Danilo Santos de
Miranda, Diretor
Regional do SESC SP, destacou o caráter de "educação permanente" do
projeto Dança Comunidade, que beneficia 41 jovens da periferia de São Paulo.
Para Miranda, trata-se de uma "ação
cultural-educativa", que integra "cultura, artes, esporte,
lazer". A parceria do SESC com Ivaldo Bertazzo, que existe há mais de 20
anos, proporciona uma "ação mais integradora com a questão social,
educadora", que "discute o percurso das pessoas na periferia, nas
favelas". Este "trabalho
educativo", que contempla "corpo, a expressão" gera um
"resultado estético e artístico reconhecido", graças à realização
do SESC e do Bertazzo e sua escola de reeducação do movimento, empresas e
instituições, pessoas, todos "portadoras dessa nova metodologia", que
gera, na prática, "profissionais, multiplicadores do projeto".
* * *
Ivaldo Bertazzo, coreógrafo, bailarino, professor
de dança e terapias corporais e diretor do espetáculo Milágrimas e da Escola de Dança Ivaldo Bertazzo - Reeducação do
Movimento, disse que é fundamental "trazer o jovem da periferia para o
centro", para compensar a "má circulação" e a não possibilidade
deste cidadão "usufruir de centros culturais, museus" e locais que
podem contribuir para "formar a qualidade de gesto" destes jovens.
Bertazzo disse que a parceria com o SESC representa abrir para estes jovens
"um espaço cultural com piscina", "sala limpa e
silenciosa". "Não dá para fazer um trabalho estético com
barulho", afirmou. Todo este suporte, "para este jovem, é
necessário" para a "formação de um método, para trabalhar numa esfera
estética com disciplina". "Tem que trazê-lo e ensiná-lo ao máximo,
com aula de música, de português" (e ainda canto, percussão, ritmo,
lingüística, saúde, história da dança e reeducação do movimento, com
coordenação motora).
Bertazzo
contou que o Projeto Dança Comunidade está na sua primeira fase, de quatro
anos. "É a criação de um método,
que requer investimento em pesquisa de como tocar, dançar, trabalhar, criar
toda uma linguagem".
* * *
Benjamim Taubkin, instrumentista, arranjador,
compositor, produtor e diretor do selo Núcleo Contemporâneo, e diretor musical
do espetáculo Milágrimas, disse que a
"fusão musical", "a
música faz parte de uma coisa maior" no projeto. Conta que Ivaldo lhe
apresentou "uma proposta para um desafio", que achou "interessante".
"Eu me sinto como viajando pelo mundo", disse, porque "a África
que veio... não é a conhecida para nós, músicos", porque tem influências
"basicamente religiosa, muito especiais", é "um trabalho pronto,
praticamente uma escultura sonora pronta".
Quando
pôde unir a tradição isicathamiya com bases fortes da nossa MPB (Música Popular
Brasileira), Benjamim disse que Nelson Cavaquinho e Itamar Assumpção, por
exemplo, enquanto representantes da "música tradicional brasileira"
casaram muito bem com "a música africana". Cita dois exemplos disso:
Sapopemba, cantor brasileiro que participa do Milágrimas, disse que "um dos tesouros que o Brasil tem é um
HD de música tradicional"; e os músicos africanos afirmaram que "o
Brasil tem uma coisa importante: Sapopemba".
Benjamim
relata que não houve barreira entre os talentos dos músicos do Brasil e da
África do Sul. "Começaram a cantar e a resposta foi imediata, tudo foi
espontâneo e no primeiro encontro".
Quando
resume a vivência com o espetáculo Milágrimas,
o diretor musical diz: "A visão que
o Ivaldo tem, como ele pensa a música e fazer um espetáculo com a música, para
depois criar uma base para uma coreografia - é muito interessante para o músico
trabalhar desse jeito".
Quanto
ao Dança Comunidade, Benjamim afirma que "o
que esses jovens precisam é só de oportunidade. Se eles dançam assim, eles têm
capacidade de ser qualquer coisa".
* * *
Carmute Campello, socióloga e organizadora do livro Tenso equilíbrio na dança da sociedade,
disse que reuniu "pessoas de diferentes especialidades que falassem sobre
a relação da periferia com o trânsito social e a cultura". Carmute
ressalta que a obra conseguiu "ressaltar
o poder da cultura, que pode mudar mais do que se imagina". Para a
organizadora, tentar ouvir "qual é a voz da periferia", pela
investigação do "trânsito entre periferia e centro", resume o coração
do projeto Dança Comunidade, que atua "na cultura e no social". Por
isso, o resultado desta iniciativa "pode ser um piloto" de sucesso,
pois "aponta para uma série de condições" que podem levar a
melhorias, a novos projetos "mais complexos, mais interessantes".
Em
tempo, o livro traz dez artigos reflexivos sobre ações concretas de inclusão
social de jovens por meio da cultura e nas artes (como acontece no projeto
Dança Comunidade) e 50 fotos.
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