Monday, June 16, 2014

Milágrimas, uma fusão cultural de Brasil e África do Sul

Milágrimas celebra a interação cultural e artística entre o Brasil e a África do Sul de várias maneiras: pela fusão musical de duas culturas no CD com trilha sonora exclusiva; no palco, pela coreografia criada a partir da música e do canto popular; no livro Tenso equilíbrio na dança da sociedade, que fala de inclusão social de jovens por meio da cultura e da arte. Porque canta a letra de Alice Ruiz para a música de Itamar Assumpção: "a cada mil lágrimas, sai um milagre". Neste caso, o milagre que faz brotar lágrimas de alegria no público é a inclusão social dos 41 jovens da periferia paulistana que, no palco, viram gigantes da dança, das artes. Bertazzo tem uma Broadway e uma Sapucaí dentro de si. E este corpo de baile carrega um Bolshoi n'alma. São mágicos juntos: com três degraus e um enorme tecido fazem um oceano, para unir mais Brasil e África. Nova temporada, novo milagre. Bravíssimo!
Cris Campos

Participamos da coletiva de estreia nacional de Milágrimas, segundo espetáculo do projeto Dança Comunidade, que uniu o coreógrafo Ivaldo Bertazzo e o SESC São Paulo. Mas Milágrimas vai além do palco, transborda. Gerou o CD com a trilha sonora do show - 11 pérolas, com participações brilhantes de músicos brasileiros e sul-africanos. E inspirou o livro Tenso equilíbrio na dança da sociedade, com artigos e fotos. O espetáculo que deu nome ao CD é prova viva do sucesso de iniciativas de educação, cultura e arte que resgatam jovens do abandono social e multiplicam seus talentos. Muito trabalho que dá resultado: Milágrimas está pronto para ganhar o mundo. Porque "a cada mil lágrimas sai um milagre".
Milágrimas é um poderoso encontro de artistas dos dois lados do Atlântico: do Brasil e da África do Sul. Nasceu da pesquisa de Ivaldo Bertazzo sobre as duas culturas. Revelada a "ponte" quando se descobriu a Isicathamiya, manifestação cultural sul-africana que une passos de dança com um delicado canto popular, a capela ou coro, criado pelos mineiros de ouro de Johanesburgo. Os músicos do grupo Kholwa Brothers vieram ao Brasil tocar com brasileiros pela primeira vez. Foi tudo natural, desde o primeiro acorde que acabou com as barreiras da língua. A língua universal da música calou as diferenças.
E veio a dança, enriquecida com os coreógrafos convidados. O palco foi cercado por três degraus de madeira. Virou trono. Recebe os movimentos do samba e das danças africanas, oriente e ocidente do mesmo oceano. Acalenta o canto da trilha e dos dançarinos-cantores, que veio dos mineiros do ouro, mas também guarda em si as vozes de Serra Pelada e as lavadeiras nos riachos e as romarias do Nordeste. E as máscaras que remetem ao carnaval e aos rituais dos nobres guerreiros africanos. Fato é que o resultado foi além. Porque até os dançarinos do Dança Comunidade cantam, em duas faixas da trilha. Tudo redondinho.
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Falas dos criadores de Milágrimas

Durante a entrevista coletiva de lançamento nacional do espetáculo Milágrimas, os seus criadores falaram do making of do projeto, que ainda inclui trilha sonora exclusiva e livro com dez artigos de diferentes especialistas. Sobre a primeira fase do Projeto Dança Comunidade, que cria nova metodologia de inclusão de jovens por meio da cultura e de atividades multidisciplinares, destacamos a seguinte síntese:
"Não é uma viagem de turismo. Ele (o jovem) passa por um período de trabalho, de organização e aprende como é trabalhar em equipe. Isso o fortalece e o coloca dentro de uma inclusão. Por que não falar duas línguas? Para estrategicamente transitar entre dois mundos. Estamos ensinando um público de elite a observar esses corpos. É um touro indomável, que tem a tipologia brasileira de um corpo misto. É diariamente uma nova construção. Porque o gestual pode transformar o ensino do movimento para o jovem. Ele estuda primeiro a música, a sonoridade. O Carlinhos Brown, a escola Pracatum e no Candeal, faz isso. É um trabalho para a construção de um corpo no espaço e para o raciocínio... com o pé firme no chão. Depois, é só levar isso para a dança. E é um grande prazer vê-los."
(Ivaldo Bertazzo, coreógrafo, bailarino e diretor do Milágrimas)
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Danilo Santos de Miranda, Diretor Regional do SESC SP, destacou o caráter de "educação permanente" do projeto Dança Comunidade, que beneficia 41 jovens da periferia de São Paulo. Para Miranda, trata-se de uma "ação cultural-educativa", que integra "cultura, artes, esporte, lazer". A parceria do SESC com Ivaldo Bertazzo, que existe há mais de 20 anos, proporciona uma "ação mais integradora com a questão social, educadora", que "discute o percurso das pessoas na periferia, nas favelas". Este "trabalho educativo", que contempla "corpo, a expressão" gera um "resultado estético e artístico reconhecido", graças à realização do SESC e do Bertazzo e sua escola de reeducação do movimento, empresas e instituições, pessoas, todos "portadoras dessa nova metodologia", que gera, na prática, "profissionais, multiplicadores do projeto".
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Ivaldo Bertazzo, coreógrafo, bailarino, professor de dança e terapias corporais e diretor do espetáculo Milágrimas e da Escola de Dança Ivaldo Bertazzo - Reeducação do Movimento, disse que é fundamental "trazer o jovem da periferia para o centro", para compensar a "má circulação" e a não possibilidade deste cidadão "usufruir de centros culturais, museus" e locais que podem contribuir para "formar a qualidade de gesto" destes jovens. Bertazzo disse que a parceria com o SESC representa abrir para estes jovens "um espaço cultural com piscina", "sala limpa e silenciosa". "Não dá para fazer um trabalho estético com barulho", afirmou. Todo este suporte, "para este jovem, é necessário" para a "formação de um método, para trabalhar numa esfera estética com disciplina". "Tem que trazê-lo e ensiná-lo ao máximo, com aula de música, de português" (e ainda canto, percussão, ritmo, lingüística, saúde, história da dança e reeducação do movimento, com coordenação motora).
Bertazzo contou que o Projeto Dança Comunidade está na sua primeira fase, de quatro anos. "É a criação de um método, que requer investimento em pesquisa de como tocar, dançar, trabalhar, criar toda uma linguagem".
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Benjamim Taubkin, instrumentista, arranjador, compositor, produtor e diretor do selo Núcleo Contemporâneo, e diretor musical do espetáculo Milágrimas, disse que a "fusão musical", "a música faz parte de uma coisa maior" no projeto. Conta que Ivaldo lhe apresentou "uma proposta para um desafio", que achou "interessante". "Eu me sinto como viajando pelo mundo", disse, porque "a África que veio... não é a conhecida para nós, músicos", porque tem influências "basicamente religiosa, muito especiais", é "um trabalho pronto, praticamente uma escultura sonora pronta".
Quando pôde unir a tradição isicathamiya com bases fortes da nossa MPB (Música Popular Brasileira), Benjamim disse que Nelson Cavaquinho e Itamar Assumpção, por exemplo, enquanto representantes da "música tradicional brasileira" casaram muito bem com "a música africana". Cita dois exemplos disso: Sapopemba, cantor brasileiro que participa do Milágrimas, disse que "um dos tesouros que o Brasil tem é um HD de música tradicional"; e os músicos africanos afirmaram que "o Brasil tem uma coisa importante: Sapopemba".
Benjamim relata que não houve barreira entre os talentos dos músicos do Brasil e da África do Sul. "Começaram a cantar e a resposta foi imediata, tudo foi espontâneo e no primeiro encontro".
Quando resume a vivência com o espetáculo Milágrimas, o diretor musical diz: "A visão que o Ivaldo tem, como ele pensa a música e fazer um espetáculo com a música, para depois criar uma base para uma coreografia - é muito interessante para o músico trabalhar desse jeito".
Quanto ao Dança Comunidade, Benjamim afirma que "o que esses jovens precisam é só de oportunidade. Se eles dançam assim, eles têm capacidade de ser qualquer coisa".
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Carmute Campello, socióloga e organizadora do livro Tenso equilíbrio na dança da sociedade, disse que reuniu "pessoas de diferentes especialidades que falassem sobre a relação da periferia com o trânsito social e a cultura". Carmute ressalta que a obra conseguiu "ressaltar o poder da cultura, que pode mudar mais do que se imagina". Para a organizadora, tentar ouvir "qual é a voz da periferia", pela investigação do "trânsito entre periferia e centro", resume o coração do projeto Dança Comunidade, que atua "na cultura e no social". Por isso, o resultado desta iniciativa "pode ser um piloto" de sucesso, pois "aponta para uma série de condições" que podem levar a melhorias, a novos projetos "mais complexos, mais interessantes".

Em tempo, o livro traz dez artigos reflexivos sobre ações concretas de inclusão social de jovens por meio da cultura e nas artes (como acontece no projeto Dança Comunidade) e 50 fotos.

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