Escadas
Tenho medo de escadas. Elas parecem ajudar, mas tome muito cuidado. Na verdade, são mortais e desfarçam a fúria.
Um dia antes de eu nascer, há muito tempo, degraus tentaram me ferir. Conseguiram, mas só em parte. Tive sorte e, por isso, sobrevivi. Mas o nascimento, cerca de vinte e quatro horas depois, foi mais doloroso do que devia. Vim ao mundo já com marcas roxas. Quando abri os olhos sabia do perigo das escadas. Por um tempo, a encubadora me aqueceu e me fez melhorar.
Quando voltei para casa lá estavam elas à espera. Dois lances de escadas, muitos degraus. Eu pequena daquele jeito, ainda com manchas roxas na pele, surpreendi a todos. Estava viva, inteira. Sobrevivi.
Fiquei segura, lá em cima, por um bom tempo, até minhas pernas se firmarem no chão e eu aprender a descer degrau. De costas, sentada e devagar, é só colocar um pé no andar de baixo, segurando firme com as duas mãos e, depois, seguir com a outra perna a descida.
O medo e a lembrança da queda estão sempre presentes em mim, mas enfrento com valentia as escadas do caminho.
Por mim, as entradas e acessos de casas, lojas e outras construções seriam livres, abertas, cheias de rampas largas e felizes, tudo erguido no nível do solo e pronto.
Aquele tombo, há mais de quarenta anos, me fez ter medo de escadas antes de nascer. Continua em mim este medo, que me faz enxergar as alternativas de caminho além das escadas, dos degraus. Não é fácil, porque parece que o mundo gosta de escadas. Mas eu sempre consigo.
Tata Campos - São Paulo, 29 de Maio de 2008
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