Exército da Glória
Cris Campos
Resta pouco de dignidade à rua, numa primeira vista. Glória está no nome, no branco da placa azul. De noite, quando o comércio fecha e o trânsito mostra o asfalto novamente, a trégua aparente e a paz logo fogem, sem espaço.
Como uma aranha gigante, de largas pernas, elas colorem as vielas, as ruas. Cabelos e tecidos esvoaçantes ao vento. Cores fortes, no meio da noite na grande cidade. Chegam ao ponto principal: Rua da Glória.
O movimento das meninas é sorrateiro. Morenas, ruivas, loiras, orientais. Não se vê negras, nem mulatas. Oxigenadas ou não, quando juntas camuflam as heranças, mesclam-se como siamesas. Partes iguais de um tentáculo, perna de aranha. São um exército, que chega devagar, na surdina. Como o perfume que as precede. E aquele silêncio estridente, apavorante.
Andam para cima e para baixo, de lado, engatam ré, rodopeiam, seguem um olhar, encaram, voltam. Arapucas de salto. Sombras com corpos. De saias ou calças. Toda roupa é mais justa do que Deus, vira segunda pele. Corpinhos à mostra. Assim se reconhece o exército.
A invasão não tem lugar preferido. Calçada, bares, boates, restaurantes, karaokês, estacionamentos, becos escuros, um quarto arranjado. Em todo lugar, aquele desfile cru.
E a aranha toma conta do lugar, invisível e presente. Mais viva do que muita gente dali.
Celulares à mão, os fragmentos da grande-aranha-mãe saem aos grupos, para ataques estratégicos. Pegam todos os homens pelos olhos, de cara. Desarmam qualquer cidadão, de mal ou de bem. Teia.
Tarde na noite, bem tarde. A aranha se alimenta da madrugada, dos bocejos, do vermelho nos olhos, do ritmo japonês na música escrita em alfabeto latino. Da maquiagem. Das aparências. E saboreia a sobremesa: luzes, pisca-pisca de Natal em maio, luminárias orientais, estranhas arandelas de pano que imita chama. Chama de quê? Da Glória.
São Paulo, 12 de maio de 2005
Foto: Folha Imagem / Ruas de São Paulo
Resta pouco de dignidade à rua, numa primeira vista. Glória está no nome, no branco da placa azul. De noite, quando o comércio fecha e o trânsito mostra o asfalto novamente, a trégua aparente e a paz logo fogem, sem espaço.
Como uma aranha gigante, de largas pernas, elas colorem as vielas, as ruas. Cabelos e tecidos esvoaçantes ao vento. Cores fortes, no meio da noite na grande cidade. Chegam ao ponto principal: Rua da Glória.
O movimento das meninas é sorrateiro. Morenas, ruivas, loiras, orientais. Não se vê negras, nem mulatas. Oxigenadas ou não, quando juntas camuflam as heranças, mesclam-se como siamesas. Partes iguais de um tentáculo, perna de aranha. São um exército, que chega devagar, na surdina. Como o perfume que as precede. E aquele silêncio estridente, apavorante.
Andam para cima e para baixo, de lado, engatam ré, rodopeiam, seguem um olhar, encaram, voltam. Arapucas de salto. Sombras com corpos. De saias ou calças. Toda roupa é mais justa do que Deus, vira segunda pele. Corpinhos à mostra. Assim se reconhece o exército.
A invasão não tem lugar preferido. Calçada, bares, boates, restaurantes, karaokês, estacionamentos, becos escuros, um quarto arranjado. Em todo lugar, aquele desfile cru.
E a aranha toma conta do lugar, invisível e presente. Mais viva do que muita gente dali.
Celulares à mão, os fragmentos da grande-aranha-mãe saem aos grupos, para ataques estratégicos. Pegam todos os homens pelos olhos, de cara. Desarmam qualquer cidadão, de mal ou de bem. Teia.
Tarde na noite, bem tarde. A aranha se alimenta da madrugada, dos bocejos, do vermelho nos olhos, do ritmo japonês na música escrita em alfabeto latino. Da maquiagem. Das aparências. E saboreia a sobremesa: luzes, pisca-pisca de Natal em maio, luminárias orientais, estranhas arandelas de pano que imita chama. Chama de quê? Da Glória.
São Paulo, 12 de maio de 2005
Foto: Folha Imagem / Ruas de São Paulo
Rua da Glória, Liberdade - 1957
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